Colunista
Professor Silvano, a gratidão e a vitória Ofaié.
Carlos Alberto dos Santos Dutra
08 SET 2020
Por Assessoria de Comunicação
14:35

A mensagem nos chega pelo whatsapp e traduz o agradecimento de um jovem professor indígena representante da etnia Ofaié. E ela é dirigida ao velho indigenista que um dia, há 34 anos, iniciou sua ventura numa terra estranha em solidariedade ao sonho de um povo.

A voz é encabulada e tímida como é o costume daquele grupo macro-jê que fala a ameaçada de extinção língua tonal ofayé. E ele relembra um a um o nome dos mais antigos que já tombaram e representam a joia mais rara desta história de luta comemorada hoje pela comunidade.

Impossível não se emocionar com o som das palavras daquele jovem nascido dois anos após seus parentes retornar do desterro a que foram jogados para reagruparem-se na terra natal e iniciar a caminhada no rumo do reconhecimento de seus direitos aviltados.

A fala é suave e comedida, porém firme e convicta revelando o longo trajeto de superação face a baixo estima imposta pela sociedade e às vezes pelos próprios parentes sobre sua pessoa, o que o fez por muito tempo pensar e sentir como se um mestiço fosse.

E lá vai Hang-tar-héc (1) confiante, olhando firme para o alto. Filho de Há-í (2), ao lado de seus irmãos Ták-ték (3)  e Hêi-êre (4), guiados pelas mãos de um dos últimos falantes Ofaié, carregando nas veias a saga e o vigor deste povo nas palavras e lembranças dos avós Chião (5)  e Ranhão (6)  e a bisavó He-gueí (7), chamada de Arê (8) Francisca, e o biso He-í (9), da grande família que o carregou nos braços e lhe ensinou as primeiras palavras na língua mãe.

Foram histórias ? sobre oito anos de exílio na Bodoquena -- que ficaram gravadas na memória e no coração dos mais novos, contadas ao redor do fogo nas longas noites de inverno, em verdadeiros rituais domésticos de passagem de curumins que experimentavam pela primeira vez a dor e o sofrimento de sua gente, alimento para a maioridade.
 
Como não lembrar dos saudosos Xehitâ-ha (10), Ekurei-fyg (11), Crí-i (12), Tá-goé (13), To-tê (14), Oti-chô (15), Hanto-grê (16), Xartâ (17), Kai-rã (18), Yacui-nin (19), Pã (20), Can-rê (21)? Como não lembrar de Sebastião, Josimar, Silbene, José Lins, Acácio Nantes, João de Souza, Malvina, Manuel, Marcos Lins, Regina, Roni, se suas vozes ainda batem em nosso peito que transborda de emoção?

Sim, o professor Silvano, pode-se dizer, é um Ofaié ressurgido. Filho de uma mulher negra (22) que por muitos anos esteve ao lado de seu pai (2) regendo a orquestra da família vivenciou em silêncio o costume local, vencendo com garra a discriminação e a anomia cultural costumeira ainda presente nos limites da fricção étnica entre culturas e raças brasileiras.

Ao lado da esposa, Elisangela, também professora, e a bela família que constituiu, o professor Silvano é motivo de orgulho para todos. Pois soube muito bem superar as diferenças e beber na fonte a água de maior valor: a cultura, a língua e o orgulho de ser Ofaié. E ainda mais. Suas palavras dirigidas ao velho indigenista revelam o homem de fé, sua gratidão e generosidade: reconhece o quanto tantos ajudaram a alcançar essa vitória comum.

De igual sorte, impossível não mencionar aqui a importância do trabalho recente do coordenador regional da FUNAI, Dr. José Resina Fernandes que deu impulso a essa demanda iniciada há três décadas. Da mesma forma gratidão a professores e alunos, entidade CIMI e comunidade internacional que desde os anos de chumbo estiveram ao lado desta comunidade.

Também o agradecimento aos demais servidores do órgão indigenista oficial FUNAI. Desconsiderando aqueles que em 1978 inadvertidamente contribuíram para desalojar esses indígenas de suas terras em Brasilândia, em nome dos demais que honraram a causa indígena, saudamos o servidor Olivar Brasil Moreira de Oliveira, popular Bili, que também faz parte desta história exitosa.

Sim, professor Silvano, o território tradicional Ofaié demarcado através de georreferenciamento no dia 4 de setembro último, regulariza por definitivo as terras da T.I. Ofayé Xavante pela FUNAI, reconhecendo como imemorial o território de 2.421 hectares e conferindo a esta área o status e aptidão para o registro em cartório.

Sim, cumpriu-se uma longa trajetória e a comunidade representada hoje pelo Cacique Marcelo Lins da Silva, o professor José de Souza Kói, e todos aqueles aos quais guardamos na memória e em nossos corações, estão de parabéns e têm razões de sobra para comemorar o Dia da Pátria brasileira. Salve o Povo Ofaié!

O Agradecimento do Prof. Silvano. A Notícia no Facebook A Notícia no Midia Max
1- Silvano de Moraes de Souza; 2- Severino de Souza; 3- Luana; 4- Severiano; 5- Tomé de Souza; 6- Dirce da Silva; 7- Francisca da Silva; 8- Avó na lingua ofayé; 9- João Pereira; 10- Ataíde Francisco Rodrigues; 11- Alfredo Coimbra; 12- Eduardo de Souza; 13- Maria Rodrigues da Silva; 14- Felipe Martins Oliveira; 15- Arlindo de Souza; 16- Maria Aparecida de Souza; 17- Marilda de Souza; 18- Cleuza Maria Oliveira; 19- Gilmar Eliandes; 20- Eugênia da Silva; 21- João Carlos de Souza; 22- Luzinete de Moraes.

Carlos Alberto dos Santos Dutra



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